Editorial
A Jornada do Herói
por Ricardo Herdy
Meados de 2015. Estava eu envolvido em meus afazeres quando percebo a chegada de uma mensagem eletrônica: “Você toparia ser o editor da SOMNIUM”?
Começou aí uma trajetória que pode muito bem ser exemplificada pela famosa “Jornada do Herói”: eu estava vivendo em meu Mundo Comum, a primeira fase da jornada, quando surge o Chamado à Aventura, representado pelo convite recebido pela mensagem eletrônica.
Obviamente minha reação foi seguir de maneira fiel o roteiro: “Você ficou maluco? Não tem a menor chance d’eu aceitar esse convite!” – se não foram essas as palavras exatas, foi algo muito parecido. Estava assim configurada a Recusa do Chamado.
Mas logo em seguida veio o Encontro com o Mentor: “Poxa, o “Fulano de Tal” que te indicou, ele achou que você estaria pronto para assumir essa…”. E assim toda a convicção exibida na primeira resposta se esvaiu: “Bom, como isso funcionaria? Preciso de detalhes…” – reconhecem aqui a Travessia do Primeiro Limiar? Pois é…
E então veio a primeira edição – ou Testes, Aliados e Inimigos: a verdadeira entrada na jornada, o começo de tudo. A empolgação e energia no máximo, as ideias pululavam. E assim foi, por mais algumas edições.
Mas eis que em algum momento, a inevitável Aproximação da Caverna Oculta acontece: uma primeira baixa na “equipe” de voluntários que ajudavam a produzir a revista. Um motivo muito sério, que me deixou preocupado: afinal, era um amigo, a quem eu aprendi a admirar, que pedia para se afastar para cuidar de sérios problemas pessoais. E prioridades são prioridades: por mais que a SOMNIUM seja um projeto tão querido por todos os envolvidos, há coisas na vida que se sobrepõe a todo o resto, e que demandam toda a compreensão de quem está à volta. Não havia nada o que fazer a não ser desejar sorte e oferecer qualquer ajuda que estivesse ao meu alcance.
Continuar, neste ponto, parecia impossível: afinal, a “equipe” agora se resumia, oficialmente, ao editor, apenas. Ou seja: eu.
E mal sabia eu que a Provação Suprema ainda estava por vir: um aviso repentino, a respeito do qual não gostaria de entrar em detalhes, me deixou literalmente em pânico. Um susto inesquecível que, felizmente, acabou tendo um desfecho positivo, graças à intervenção de amigos que acionei às pressas. Um evento forte, marcante, que, se por um lado se encerrou com um enorme alívio, por outro consumiu grande parte da minha energia dedicada ao projeto. Fiquei muito abalado por algum tempo imaginando as consequências terríveis que estiveram tão perto de se consumar.
Mas eis que chega o momento da Recompensa: ainda envolvido com a revista, consegui finalizar mais uma edição. Tudo voltava ao normal, apesar das incertezas quanto à ajuda que poderia ter a partir daí para levar adiante os próximos números.
E é aí que começa o Caminho de Volta: as tentativas de conseguir mais alguém para dividir as tarefas se mostraram infrutíferas; mas eis que, recuperado, meu antigo parceiro reaparece, novamente disposto a ajudar pontualmente – o que é suficiente para conseguirmos fechar a edição que estava em andamento.
Enfim, a Ressureição. Mas antes gostaria de fazer um breve resumo de todas as mudanças que passei ao longo deste período. No momento do convite inicial, eu morava no Rio de Janeiro, e nem passava pela minha cabeça sair de lá. Tinha família, amigos e carreira à minha volta. Para não entrar em muitos detalhes que só tornariam este relato ainda mais enfadonho, resumo: de lá pra cá já morei em dois países diferentes, Canadá e Estados Unidos, completei mais um mestrado (o segundo) que não fazia parte dos meus planos à época do convite, e mudei radicalmente de carreira. Ou melhor, tomei a decisão consciente de buscar uma mudança em minha vida que incluiu dar por encerrada minha carreira anterior e batalhar pela seguinte. Foi uma decisão natural e libertadora – mas devo alertar para não tentarem isso em casa sem a supervisão de um adulto que saiba o que está fazendo (o que, decididamente, não parece ser o meu caso).
Neste ponto, acredito que o leitor mais atento deve estar imaginando o que está por vir: sim, contei tudo isso para anunciar que estou passando o bastão. A SOMNIUM precisa de alguém com mais tempo para tocar suas edições, com mais dedicação. Com mais energia.
Não levo comigo nenhum arrependimento, nenhuma mágoa. Pelo contrário, este período só me trouxe boas lembranças, que carregarei para sempre. Conheci pessoas fantásticas, tive contato com grandes autores e lancei talentos que já estão brilhando com força no horizonte da ficção científica brasileira.
O que mais eu poderia esperar? Foi uma jornada fantástica até aqui – mas é preciso reconhecer que é chegada a hora de dar espaço para quem pode contribuir mais.
Que a Força esteja com todos vocês. E que tenham uma vida longa e próspera.