Com a palavra, Luiz Felipe Vasques, novo presidente do CLFC
por Luiz Felipe Vasques
Finalmente alcançamos os anos 2000, ultrapassamos o marco do terceiro milênio. Não nos destruímos na guerra nuclear entre as duas superpotências, mas estamos longe de alcançarmos a utopia, havendo muito ainda a ser feito. E já estamos 20 anos adiante.
Há pouco menos de cem anos atrás, Hugo Gernsback batizava o futuro, deixando claro um esforço criativo literário sobre o que estava ocorrendo. Os escritores se acostumaram a pensar além do horizonte, e nos mundos e possibilidades imaginados, também deram datas, arriscando um caráter erroneamente dado como oracular ao gênero.
Entre as datas, era óbvio o fascínio pelo ‘zerar’ do calendário a partir do ano 2.000 (na verdade, o encerramento do Século XX), como se nossos pecados fossem perdoados e esquecidos com uma mera virada de página: afinal, isso ocorre somente uma vez a cada mil anos. Ao mesmo tempo, é como se fosse a esperança depositada na melhora de tudo que podemos sentir pela aproximação do réveillon e o ano novo que se inicia, mas com três ordens de grandeza acima. O novo milênio e a renovação da fé em um mundo melhor.
Tendo isso em vista, para 2020 – e os 2020s –, criadores anteciparam e extrapolaram, em obras tratando de uma Humanidade unificada além das fronteiras nacionais, e alcançando outros mundos já por essa época – mas gradativamente assumiam um tom pessimista quanto mais os novos Anos 20 se tornavam futuro próximo. A partir dos 1980s e o cyberpunk, a visão se tornou mais pessimista, em um futuro baseado em visões de Internet e tecnologia avançada acessível a quem pudesse comprar, mas focando em desigualdades sociais, concentração de renda enquanto as cartas passavam a ser dadas por grandes corporações financeiras, em detrimento da autoridade e dos diretos civis.
Ainda assim, ocasionalmente pode-se ver 2020 sob boas perspectivas. Na trilogia de Marte por Kim Stanley Robinson, em Red Mars (1992) temos a primeira expedição colonizadora em 2026, embora o primeiro homem lá tenha chegado em 2020, e no universo de Babylon 5, a lua passa a ser colonizada no fim dos 2010s.
E, se bem é verdade que não temos Charlton Heston berrando sobre o segredo da principal fonte de alimentos em ruas superlotadas, temos problemas com superpopulação, iminente colapso ambiental, e de distribuição de recursos e alimentos no mundo de 2020.
Mas também são os dias estes em que se acessa a maior biblioteca jamais reunida na História a partir de um aparelho que está no bolso da calça, assim como se comunica em áudio e vídeo tanto pessoalmente como em conferência com várias pessoas, e acostuma-se a resolver a vida de casa através desta tecnologia, enquanto a sociedade enfrenta a primeira grande pandemia em cerca de cem anos.
Ou, são os dias que, pela primeira vez, temos a chance de ver e debater questões étnicas, sociais, culturais e de gênero, que não sob um mesmo prisma tradicional dominante.
O mês de Julho viu três missões serem lançadas a Marte, não somente pelos EUA, mas também pela crescente presença espacial da China, e dos novatos no pedaço que são os Emirados Árabes Unidos. Marte, este que não deixa de ganhar uma crescente população robótica e alienígena, pesquisando e escavando atrás de uma vida ancestral que pode ter existido eras atrás.
O Clube de Leitores de Ficção Científica avança rumo aos seus 40 anos ainda nos 2020s. A literatura especulativa se diversifica, inova e renova, tanto tematicamente quanto precisando elaborar recursos para sua sobrevivência, levando em conta as realidades econômica e de mercado. Caberá redefinirmos nosso papel, como agremiação de fãs e criadores de literatura fantástica, em meio a um contexto que não espera autorização, presta contas e muito menos pede desculpas por suas mudanças. Já estamos no meio do biênio 2019-2021 da atual presidência do clube, e esperamos poder contribuir neste contínuo processo de mudança. O ano é 2020, e estes são dias de ficção científica.