The Book of the War
por Mário André
O que Vlad Tepes, Charles Babbage e Lord Byron teriam em comum com seres que existem puramente como significados, uma guerra temporal, e vudu? Elementos tão díspares como estes são talentosamente costurados no primeiro livro da série Faction Paradox – the Book of the War (Vários, Editado por Lawrence Miles, Mad Norvergian Press, 2002) – que se passa em um universo baseado no de Dr. Who. Fiquem alertados os whovians, entretanto, que o universo no qual se passa o livro é muito distante daquele refletido nas séries – sendo bem mais dark e distópico que sua versão televisiva.
Assim, pode ser dito que o livro é apenas inspirado, e muito remotamente, na série de televisão. Não há referências ao Doutor, os Time Lords são assustadores e os Daleks (que não são mencionados ) seriam considerados uma brincadeira de criança pelas principais organizações do universo retratado.
O livro é bastante original, feito sob a forma de uma enciclopédia, em que ao se ler seus vários verbetes em sequência vai se delineando o cenário onde está acontecendo a Guerra, e as quatro principais facções envolvidas. A Guerra em questão, que é a referenciada no título do livro, é uma guerra temporal, onde partes da História são apenas cenários que se alteram tão facilmente quanto se troca uma camisa.
As principais facções envolvidas na Guerra são as Grandes Casas do Mundo de Origem (os Time Lords, embora nunca chamados no livro por este nome), seu misterioso Inimigo, e duas dissidências das Grandes Casas, os Celestis, e os “protagonistas” do livro, a Facção Paradoxo.
A facção mais misteriosa é sem dúvida o Inimigo, pois ele trava a Guerra com as Grandes Casas exatamente onde elas são mais fortes – na História. E são mais fortes porque causalidade não é um atributo espontâneo do universo – mas um elemento construído e costurado na tessitura dele pelas Grandes Casas, que reinam sobre a Política Espiral (a História do universo, ou ao menos as partes que importam) a partir de seu planeta – O Planeta de Origem – situado no centro da História.
Já os Celestis – a facção odiada por todos – são desertores de alto nível das Grandes Casas que ao perceberem que a Guerra se aproximava, e com medo de uma possível derrota do Mundo de Origem, se retiraram da História se transformando em seres conceituais, que apesar de não terem substância existem como significados vivos que podem afetar diretamente a realidade, e costumam se apresentar como deuses para as raças inferiores – assim chamadas pelas facções em guerra aquelas que não tem capacidades temporais ativas inatas.
Finalmente temos a Fação Paradoxo, outrora uma Grande Casa que passou a desprezar todos os valores do Mundo de Origem e o deixou para se tornar uma organização criminosa terrorista que se espalha pela Política Espiral.
A Fação é, na explicação de uma personagem, o seguinte: “Primeiro, imagine… só por um segundo … que tudo é regido por um bando de imortais metidos que vivem no centro da História. Agora imagine que alguns deles começaram a ficar incomodados e conseguiram ser expulsos. Agora imagine que aqueles que foram expulsos estão fazendo um tipo de carnaval vudu ao Estilo de Nova Orleans pelo resto do universo, só que matando qualquer um que se meta no seu caminho… está me acompanhando?”
A Facção Paradoxo é bastante ligada à Terra, tendo sua principal base no Império dos Onze Dias, um universo bolha que engloba os 11 dias de tempo “sumido” na Inglaterra em 1752, na passagem do Calendário Juliano para o Gregoriano, que foram comprados pela Facção Paradoxo do rei George II.
A Facção Paradoxo é iconoclasta, fetichista e ritualista, adotando um culto de símbolos da morte semelhante ao vudu – para melhor chocar as Grandes Casas, e embutiu seus rituais na infraestrutura da Política Espiral. Assim, a Facção paradoxo considera as equações que governam a Politica Espiral como loas, invocando–os – e eles respondem – para manipular a realidade e fazer magia. A Facção Paradoxo visa derrubar as Grandes Casas e destruir a História tal como construída por elas.
O livro menciona ainda outras facções menos importante, como a Pós–Humanidade e os Remotes, e grupos fascinantes não envolvidos diretamente na Guerra, como a Cidade dos Salvos – uma cidade do tamanho de uma galáxia onde vivem todos os serem humanos que já existiram – dos ancestrais hominídeos à pós–humanidade – em um conceito muito semelhante ao Planeta do Rio, de Farmer.
De forma geral o livro traça um panorama do universo, e é muito semelhante aos livros cenários de RPG, e ainda contém uma surpresa: sua meta–estória interage com uma estória que vai sendo contada ao longo de verbetes salteados, estando inserida literalmente nela.
Como pontos negativos há a encadernação, terrível, que obriga a quase esgarçar o livro para ler as ultimas letras de cada linha, bem como o fato de nos primeiros verbetes haver uma série de conceitos que só serão explicados (ao menos a maioria) bem mais tarde, deixando o leitor perdido, e ainda uma expressão em português (ou espanhol) usada no livro escrita com um erro de concordância ao longo da obra , o que é irritante.
Tudo considerado o livro é uma boa introdução para a série, caracterizando a maioria dos principais grupos e colocando as fundações para as demais estórias da Facção Paradoxo. Nem tudo é explicado, e nem tudo é detalhado, mas as omissões apenas deixam o leitor mais curioso para os livros seguintes.